Durante a temporada 2013 de Fórmula 1, publico aqui no ENTRELACE alguns textos narrando episódios pessoais sobre os quais não tive a oportunidade de escrever enquanto cobria a temporada 2012, no mais das vezes por causa da correria que me fez dar conta da rádio Estadão/ESPN, revista ESPN, site Tazio, meu blog e o blog Acelerando com Bruno Senna (os dois últimos, dentro do Tazio).
Foi lá em Montreal que ela viu, pela primeira vez, uma loja especializada em camisinhas — era um sex-shop, na verdade, mas tinha de fato uma parede dedicada somente às camisinhas asiáticas, que dizem ser as melhores. Foi em Montreal que ela se deparou, também pela primeira vez, com um daqueles cartazes cada dia mais populares em que o pedinte de rua diz: “Por que mentir? Quero cerveja!” ou “Quero maconha!”, etc. E foi em Montreal que, pela primeira, ela e o futuro novo namorado reservaram o mesmo quarto de hotel pela primeira vez. No caso deles, era um grande passo, afinal, as viagens eram a trabalho e, a princípio, cada um tinha o direito pessoal e profissional de ter o seu próprio quarto de hotel.
Preocupados com a fofoquinha dos colegas, dado o eterno clima de colegial que paira sobre o itinerante paddock da Fórmula 1, eles procuraram um bairro mais afastado do buzz que transforma tudo em uma grande sala de imprensa. Porque na F1 é assim: em toda cidade, há o “hotel da mídia” ou uma área que os jornalistas escolhem para concentrar as suas reservas e, assim, ficarem todos juntos antes E depois do trabalho — ou então porque fica mais fácil pegar o shuttle bus até a pista, quando existe o serviço.
Voltando a eles. Até ali, já haviam sido disputados seis GPs no ano. Já haviam passado seis GPs grudados, cinco GPs como um potencial casal e todos os dias de intervalo entre provas permeados por longas, infindáveis interações por mensagem de texto. Eles tinham dividido quarto uma única vez, mais por uma contingência emergencial do que por planejamento. A lista de dúvidas era extensa:
– Putz, e se rolar uma falta de privacidade? Se nos sentirmos, assim, invadidos?
– Putz, e se alguém nos vir na rua andando juntos? (Onde, por “alguém”, leia-se “colegas fofoqueiros”.)
– Putz, e se for muito legal???
– Putz!
Naquela fase do relacionamento, tendo ela acabado de sair de outro, tendo ele ficado sem saber o que era um por longos seis ou sete anos, a terceira dúvida era possivelmente a pior de todas elas, a que mais atormentava.
O que unia todas as questões era a incerteza do que era realmente aquilo, ao qual eles chamavam somente de “it” — ah, sim, porque até que ele aprendesse os sufixos -inho e -ão, tudo se dava em puro inglês. Pois aquilo lá não tinha nome: não era namoro, não existia “rolo” de onde ele vinha, só que tampouco era nada. E ficou sendo “it”, então.
O tal do “it” foi bem legal lá em Montreal. Eles andaram pelas ruas a esmo, desceram do táxi antes do destino para se enfiarem nos protestos e entender melhor o que queriam os estudantes canadenses naquele momento, eles até participaram do encontro que um colega jornalista costuma fazer com os fãs locais de F1 e passaram um tempão conversando com um garoto americano empolgado, empolgado! E ele teve ali uma epifania que o fez respeitar os petrolheads como nunca antes (segundo ela, ele é um grasshead, termo que ela inventou para designar fãs inveterados de futebol assim como os petrolheads são fãs de esporte a motor ou carros… embora ele não admita). Eles chegaram até a encontrar um restaurante etíope para jantar porque ele jurava para ela que era uma das melhores comidas do mundo e ela não acreditava.
Na pista, problema zero. Eles não admitiam “it” pra ninguém, até porque seria meio difícil explicar o que eles mesmos não entendiam, mas, aos poucos, iam perdendo o medo de que “it” se tornasse público. Só tem uma coisa que eles nunca deixaram de considerar: trabalho era trabalho e “it” era “it”, cada um no seu quadrado.
Depois do GP do Canadá, passaram uma semana juntos em Bermuda. Eles decidiram para onde iriam lá em Montreal, mesmo. Ela não queria ir porque ficou com medo de cair no Triângulo das Bermudas e nem ficou com vergonha de contar isso pra ele, veja se pode? Sinal de que o relacionamento tinha futuro porque uma bobagem dessas, ela jamais dividiria com qualquer um. Foi a primeira viagem deles que não era a trabalho, a primeira viagem romântica. E adivinha em que dia eles chegaram lá? Doze de junho, Dia dos Namorados no Brasil. Eles entraram na brincadeira e brincaram até de annoying couple, inspirados na mais de uma hora de fila que ela tinha pego atrás de Vanessa Hudgens e seu namorado hollywoodiano lá em Mônaco. Annoying couple, ou casal pentelho, é aquele que fica falando fininho e cuticuti na frente de todo mundo em qualquer lugar, sabem? Foi divertido.
Lá em Bermuda, ela falou durante o sono. Ela disse assim: “Terá que ser decidido em Valência”. E ela falou em inglês, que nem era sua primeira língua, como se quisesse mesmo que ele entendesse. A semana passou, eles voltaram cada um para sua casa outra vez, esperando a próxima viagem em que se encontrariam. E seria justamente Valência, para o GP da Europa.
PS: Eu até pensei em terminar de contar a história deles no próximo “O que eu não contei”, mas, puxa vida, Bernie… Valência saiu do calendário da F1.
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