Futebol: a melhor defesa é o ataque

Nesta segunda, faremos uma roda de conversa com o tema “Mulheres no Futebol: jogando, torcendo, cobrindo” para o qual todos e todas são convidados. Na esteira disso, a Juliana de Faria Kenski, criadora do Think Olga, nos convidou para escrever sobre o tema e saiu este texto aqui.

Olga

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É 2014, ano de Copa de Mundo no Brasil, ano em que finalmente o racismo começa a ser tratado com a devida atenção no futebol. Infelizmente, ainda não se pode dizer o mesmo sobre a misoginia, o machismo e o androcentrismo. E o futebol sabe transitar entre estes últimos três como poucos (sem falar na homofobia).
Há oito anos, comecei minha trajetória como jornalista esportiva. Já passei por estádios onde não havia banheiro feminino, já ouvi torcidas de cidades do interior me chamarem de nomes nada legais apenas por eu ser a única mulher com um microfone na mão à beira do campo, já deixei de fazer uma cobertura no exterior aos 20 e poucos anos porque acharam que eu “não saberia me virar” (Oi? Eu viajo sozinha pelo mundo desde os 16).
Nos últimos tempos, acabei me voltando também para o uso das redes sociais e as estratégias digitais…

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O que eu não contei: GP de Mônaco 2012

Durante a temporada 2013 de Fórmula 1, publico aqui no ENTRELACE alguns textos narrando episódios pessoais sobre os quais não tive a oportunidade de escrever enquanto cobria a temporada 2012, no mais das vezes por causa da correria que me fez dar conta da rádio Estadão/ESPN, revista ESPN, site Tazio, meu blog e o blog Acelerando com Bruno Senna (os dois últimos, dentro do Tazio).

A cobertura do GP de Mônaco foi, de longe, a mais caótica do ano. Eu vou contar o motivo agora e talvez vocês riam ou pensem: “A Vanessa, sempre tão discreta, está ficando louca!”. Mas eu conto o motivo porque tem coisas, como a morte, sobre as quais não adianta deixar de falar. Elas existem, podem ser incontroláveis e, às vezes, atrapalham todos os planos. A TPM, ou tensão pré-menstrual, é uma delas. E, no caso, é também uma questão extremamente feminina — como eu trabalho num meio ainda muito masculino, é natural que assuntos do tipo virem tabu ou provoquem risinhos como se nós todos vivêssemos eternamente numa sala do colegial.

A tal da TPM, não a TPM, é o inferno na Terra principalmente por um motivo: nem sempre a gente percebe que está sofrendo dela. No meu caso, eu costumo me dar conta no dia seguinte a um episódio de ódio mortal injustificado, por exemplo.

O GP de Mônaco do ano passado foi muito emocionante por causa disso, perguntem aos meus colegas de trabalho Diogo Kotscho, Rodrigo França e Gary Meenaghan. Foi depois desta corrida, aliás, que mr. Meenaghan foi apelidado por mr. Kotscho de “meu herói”.

Teve debate na sala de imprensa:

— Não grita.

— mAS eU NÃo TO GRITANNNNdo!!!

Teve uma multa na volta da festa no barco do dono da Force India (TPM, transformando o glamour em micão):

— Por que você está se segurando no carro?

— Por nada.

— Você não confia na minha direção?

— Claaaaro que sim, imagina.

Mas a parte mais UHU! foi o fora que sir Frank Williams (me) deu na coletiva de imprensa da FIA. E olha que eu não provoquei, não. Foi realmente um brinde para testar meu peculiar estado hormonal. Só que ele veio pedir desculpas depois, é verdade. [Leia a história aqui no ENTRELACE.]

Foi um final de semana realmente animado, ainda que o trabalho não tenha sido prejudicado. Mas eu entendo que ainda agora você esteja se perguntando: “Por que cargas d’água a Vanessa está escrevendo sobre isso?”. Eu respondo melhor.

É porque eu sou uma mulher trabalhando num meio masculino, escrevendo para uma audiência composta majoritariamente por homens e, infelizmente, ainda tem muito homem que acha que TPM não existe, que é frescura, que é invenção. Acreditem em mim: não é. E é grave, mas felizmente tem tratamento. Mulheres, procurem-no (o tratamento). Homens, entendam-nas (as mulheres) e não julguem aquilo que não experimentam.

E a todo o pessoal que acompanha o trabalho dos jornalistas: nós passamos por cada coisa “normal” que vocês nem imaginam, até mesmo em meio a toda a finesse monegasca.

Propaganda (ou antipropaganda?) de “Bic for Her”

Num dia desses, vi no blog de um amigo este vídeo da Ellen DeGeneres em que ela passa uns bons minutos falando da nova “Bic for Her”, ou “Bic para Ela”, dentro do seu programa, que tem uma audiência enorme formada maciçamente por mulheres. O texto é genial, pena que ninguém tenha colocado legendas em português até agora. Com um humor bem americano, acabou virando um libelo antimachismo através do uso escrachado de sarcasmo.

Entra, talvez, na mesma esfera da discussão sobre a Kinder, que separou os ovos de Páscoa de acordo com brinquedos-surpresa “para meninos” e  “para meninas”. Faz sentido, não faz? E se um menino de cinco anos achar a caneta rosa linda? Vai se sentir acuado porque a embalagem diz que é “para ela”?

Não sei o que vocês vão achar do vídeo, eu ri… e não fiquei com vontade de comprar a caneta, não.

Feminismo com realismo para enfrentar o machismo

Vi esta charge no Facebook, compartilhada pela mãe de duas meninas que são bandeirantes no mesmo grupo em que eu cresci e, mais tarde, me tornei voluntária. O Bandeirantismo é um movimento que nasceu feminino e que tem as causas femininas (fim da violência contra a mulher, valorização da mulher no mercado de trabalho, saúde da gestante, etc) muito no centro de suas ações educativas.

A sequência das minhas reações à foto foi toda muita rápida, começando com o automático clichê: “Que absurdo! Machismo nunca vai ter fim, mesmo”. Em seguida: “Ué, mas porque justo ela publicou essa… essa… bobeira?”. Até que resolvi ler o comentário feito pela dona do perfil, o texto que acompanhava o compartilhamento. Era algo como: “Estou quase precisando de uma dessas”.

E aí? Onde se encaixa todo o desejo de debate intelectual feminista diante de uma realidade como a exposta por esta mãe/profissional/esposa e que, mais realista, impossível?

[Pausa para alguns pensamentos.] Várias fases teve o feminismo e gosto de pensar que minha geração está entrando em uma era de mais equilíbrio e tolerância: apesar de muitas de nós termos sido criadas para sermos “mulheres modernas”, eu, por exemplo, não vejo absolutamente nada demais na mulher que é feliz cuidando dos filhos, do jardim e da casa. Da mesma forma, acho que dar prioridade para a carreira é outro tipo de escolha a ser respeitada.

Mas esse é o feminismo. O que me preocupa é o machismo, que parece que não anda, é o mesmo desde sempre. Dá desgosto, ânsia de vômito.

O que me preocupa é o machismo que talvez ainda impeça uma mãe de colocar o filho homem pra ajudar a lavar louça. E machismo do pai ou dela, porque o feminismo vem evoluindo, mas o machismo de certas mulheres continua lá, paradão, junto com o dos homens.

Estes três parágrafos de devaneio me ajudam a tentar dar uma meia resposta, que seja, à pergunta que os antecedeu: o debate feminista teria que se afastar do apego à ofensa provocada pelo estereótipo do retrato (“a imagem da mulher entre computadores, fogões e máquinas de lavar louça me irrita”) e caminhar rumo à solução.

Num caso assim, em vez do sofrimento causado por “enquanto eles não deixarem de serem machistas, as coisas não vão mudar”, eu adotaria o mais prático “se eles não lavarem a louça, aqui eu não vou ficar”. É só uma ideia…

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Atualização em 18/03/2013

Hoje, me deparei com o seguinte tweet do Fabiano Angélico:

Ao clicar no link e entender as intenções de quem escreveu o texto, me deparei com um trecho que se encaixa com perfeição e acrescenta uma boa dose de profundidade a este post.

Não é suficiente empoderarmos economicamente as mulheres, inseri-las no mercado de trabalho, pois isso se torna mais uma jornada, uma vez que ainda não as desresponsabilizamos dos cuidados da casa e de um sem número de funções, nem acaba com a ideia de que o corpo feminino é violentável.

Precisamos perceber que a masculinidade deve ser repensada, de uma forma a não ser construída com bases na rejeição e violência do feminino. Na atualidade há diversos modelos de masculinidade, diversas formas de ser homem e precisamos evidenciar e/ou tornar possível outros modelos de masculinidade que não se baseiem na violência ao feminino, masculinidades não sexistas e homofóbicas. É preciso ressignificar o masculino para ao mesmo tempo ressignificar o feminino como algo positivo e valorável. Reapropriar o feminino de sua autonomia sexual: para que a casa da cadela deixe de ser um insulto e algo negativo, para ser um lugar de reconhecimento da sexualidade feminina e experimentação do próprio gozo. É preciso borrar fronteiras para que feminino e masculino não sejam pensados como opostos e excludentes, para que possa ser legítima uma masculinidade feminina e um feminilidade masculina, para que masculino ou feminino não sejam categorias de dominação.