Medo e preguiça vs. Jornalismo (com Andrew Jennings)

O senhor acompanhou a briga do técnico Dunga com a imprensa brasileira?
Não vou comentar o episódio porque não acompanhei de perto. Posso dizer que a imprensa inglesa e a da maioria dos países é puxa-saco. E sem razão para isso. A desculpa é que os editores têm medo de perder o acesso às seleções e à Fifa. Bobagem. Ora, eu fui banido das coletivas da Fifa sete anos atrás e ainda consegui escrever um livro e fazer várias reportagens. A imprensa deve atribuir as responsabilidades às autoridades. Se não fizer isso, é relações públicas. Tenho milhares de documentos internos da Fifa que fontes me mandam e não param de chegar. Por que só eu faço isso?


O que o senhor espera da Copa no Brasil, em 2014?
Há algumas semanas, o secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, deu um piti público cobrando o governo brasileiro para que acelerasse as construções para a Copa. Estranhei muito, porque não imagino que o governo brasileiro se recusaria a financiar uma Copa. Vocês são loucos por futebol, estão desenvolvendo sua economia, têm recursos e podem achar dinheiro para isso. Uma fonte havia me dito que Valcke e Ricardo Teixeira tinham tirado férias juntos, estavam de bem. Então, o que está por trás dessa gritaria? É pressão para o governo brasileiro colocar mais dinheiro público nas mãos da CBF. Mundialmente, as empreiteiras têm envolvimento com corrupção. Dá para sentir o cheiro daqui.

 

Estes são trechos de uma entrevista publicada pelo Estadão com Andrew Jennings, autor de livros sobre corrupção no Comitê Olímpico Internacional (COI) e de um sobre a Fifa, em 2006: “Foul! The Secret World of Fifa” — infelizmente, não publicado no Brasil. Ao que consta, Jennings prepara outro sobre a mesma Fifa para 2011.

O tema deste breve post é a primeira resposta (a segunda fica aí como bônus) porque ela traduz em poucas palavras o que se passa com o jornalismo não só na cobertura de seleções, da CBF e da Fifa, mas de outros tantos esportes e instituições que os controlam. Será que é tão relevante assim estar em todos os treinos de todos as equipes, acompanhar os passos de cada atleta? Depois de alguns anos de setorismo, quero crer que sim e não.

Sim, se o jornalista entender que o contato diário e pessoal com os objetos do trabalho são essenciais para que seu trabalho de apuração possa ir além. 

Não, se o o único resultado desse tipo de cobertura for: “Fulano marca dois gols no rachão e diz que vai fazer de tudo para buscar a vitória na próxima rodada”. Perda de tempo e dinheiro, dá pra fazer o mesmo e mais estando à distância. Com a bunda da cadeira ou ao ar livre, medo e preguiça são as pragas do jornalismo. Fazendo o contrário, Jennings é um dos que se gabam de serem prova disso não sem razão.

As notas oficiais de Thierry Henry e Robbie Keane na íntegra. Por que tudo é tão complicado?

O lance que deu à França a vaga na Copa do Mundo da África, você já deve ter visto. Senão, veja agora.

Nesta sexta, Thierry Henry, atacante do Barcelona e da seleção francesa, emitiu a seguinte nota:
“Eu disse na hora e vou dizer novamente que, sim, eu toquei a bola com a mão. Eu não sou um trapaceiro e nunca fui. Foi uma reação instintiva a uma bola que vinha extremamente rápida numa área penal cheia de gente.

Como jogador, você não tem o luxo da televisão para reduzir o ritmo da bola em 100 vezes para poder tomar uma decisão consciente. Pessoas estão vendo uma versão em slow motion do que aconteceu e não o que eu ou qualquer outro jogador enfrenta no jogo. Se as pessoas olharem o lance na velocidade real, notarão que foi uma reação instintiva.

É impossível que seja qualquer outra coisa que não isso. Eu nunca neguei que a bola foi controlada com minha mão. Eu disse aos jogadores irlandeses e ao árbitro e à mídia após o jogo. Naturalmente, eu me sinto envergonhado pelo modo como nós ganhamos e peço desculpas pelos irlandeses que definitivamente merecem estar na África do Sul. É claro que a solução mais justa seria jogar de novo a partida, mas isto está fora do meu controle. Há pouco mais que eu possa fazer além de admitir que a bola tocou minha mão antes do nosso gol de empate e que eu me sinto mal pelos irlandeses”.

 

O capitão da Irlanda, Robbie Keane, disse em resposta:

“Em nome dos jogadores da República da Irlanda, eu gostaria de agradecer Thierry Henry pelo seu pronunciamento nesta tarde de que remarcar o jogo seria a opção mais justa.

Para o capitão do time francês, foi preciso coragem e honra para dizer isto, e todos nós reconhecemos isto. Como capitão do time da República da Irlanda, eu também ficaria feliz com a disputa de um novo jogo em nome do fair play para que qualquer um dos times que se qualifique, possa fazê-lo com a cabeça erguida. Nós esperamos apenas que a Federação Francesa de Futebol possa aceitar os desejos dos dois capitães em nome do que é melhor para o jogo”.

A FIFA já informou que não remarcará a partida. Isto nos leva à questão mais simples e ingênua, que seja: por que tudo é tão complicado? Se as duas partes essenciais para a disputa, aquelas que entram em campo, pensam o mesmo, dá desgosto ver a burocracia reinar. O mundo cansa, às vezes.